Juntos - Dezembro de 2024
Atualizações sobre Antitruste e Fiscalização da Concorrência na América LatinaArgentina
CNDC prioriza a independência da agência e a fiscalização de cartéis. Em comentários públicos em uma conferência internacional em novembro, o presidente da Comissão Nacional de Defesa da Concorrência (CNDC) da Argentina definiu as principais prioridades do órgão fiscalizador, enfatizando uma maior independência da agência, especialmente para uma análise eficaz das fusões, e uma melhor aplicação das leis anticartel.
Uma maior independência da CNDC (atualmente, o órgão fiscalizador opera sob o Ministério do Desenvolvimento Produtivo da Argentina), de acordo com as observações feitas, permitiria que a Argentina desenvolvesse um sistema de análise de fusões mais semelhante, na prática, aos existentes na maior parte do mundo, segundo o qual as partes seriam obrigadas a notificar determinadas transações. Isso permitiria que a CNDC revisasse e contestasse fusões e aquisições que ameaçam a concorrência antes de serem fechadas.
O diretor da agência também observou sua intenção de que a agência imponha taxas para notificações pré-fusão. A lei argentina já permite a imposição destas taxas, mas até o momento elas não foram aplicadas pela CNDC.
Além disso, a agência pretende reprimir os cartéis implementando medidas investigativas adicionais e buscando sanções mais fortes em questões de fixação de preços, manipulação de licitações e alocação de mercado. O chefe da agência expressou que sancionar a conduta de cartel era essencial para atrair mais candidatos ao programa de leniência recentemente implantado no país.
As observações expõem a CNDC como um órgão em transformação dentro do governo argentino, ao mesmo tempo em que mostram suas ambições de assumir uma posição de aplicação convergente com outras autoridades de defesa da concorrência nas Américas em funções essenciais como análise de fusões e aplicação das normas contra cartéis. Se estas metas forem alcançadas, a aplicação da lei antitruste na Argentina poderá se tornar ainda mais robusta.
Brasil
Brasil investiga preços algorítmicos. No final de novembro, a autoridade de concorrência do Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), iniciou uma investigação sobre uma ferramenta de precificação algorítmica baseada em inteligência artificial usada para precificação dinâmica em postos de gasolina. O CADE expressou preocupações de que a ferramenta pode permitir "práticas concertadas que podem levar a violações antitruste". Esta é a segunda investigação de preços algorítmicos do CADE.
As preocupações da agência refletem as de vários outros órgãos de fiscalização da concorrência no mundo sobre os possíveis usos anticompetitivos das ferramentas de precificação algorítmica. Alguns alegaram violações das leis antitruste, como no recente processo do DOJ contra a RealPage.
À medida que novas aplicações das leis antitruste às tecnologias emergentes começam a surgir e que as ferramentas de gerenciamento de receita orientadas por inteligência artificial se tornam mais predominantes nos negócios, o progresso destes casos pode estabelecer precedentes importantes.
O novo regime de mercados digitais do Brasil. O governo brasileiro renovou seu foco nos mercados e plataformas digitais depois que um relatório do Ministério da Fazenda alertou que a lei antitruste existente não é eficaz para regular o poder das maiores empresas de tecnologia do mundo. De acordo com as medidas propostas no país, o CADE receberia novos poderes para designar determinadas plataformas como "sistemicamente relevantes" com base em critérios específicos, uma política aparentemente inspirada na Lei de Mercados Digitais (DMA) da União Europeia.
Embora nenhuma mudança importante seja iminente, espera-se que o governo apresente um novo projeto de lei ao Congresso Nacional em breve. Este projeto poderia autorizar o CADE a criar uma estrutura regulatória específica para plataformas digitais e impor obrigações comportamentais às empresas designadas.
Assim como as empresas de tecnologia vivenciaram na União Europeia com o DMA, um novo regime regulatório ex ante no Brasil provavelmente exigiria recursos adicionais significativos do setor privado, incluindo recursos que as empresas designadas precisariam dedicar a adaptar seus produtos comercializados no país ao atendimento das exigências regulatórias locais.
Chile
Chile busca multa recorde para o cartel. Em outubro, a autoridade de concorrência do Chile, a Fiscalía Nacional Económica (FNE), apresentou uma denúncia ao tribunal de concorrência do país alegando que três cassinos fraudaram licitações para obter licenças de operação em todo o país em 2020 e 2021 (Caso Cassino). A denúncia da FNE alega que os cassinos ocultaram sua conduta de várias maneiras, como participando de reuniões secretas organizadas em plataformas de mensagens efêmeras e realizadas após o expediente, usando palavras de código para ocultar sua conduta e excluindo provas de dispositivos móveis após as reuniões. Como resultado da conduta, a FNE alega que o órgão regulador de cassinos do país recebeu substancialmente menos pelas licenças do que teria recebido se a licitação tivesse sido competitiva.
A FNE está buscando um total de mais de US$ 150 milhões em multas para os três cassinos, inclusive buscando de um réu o que seria, de longe, a maior multa imposta por conduta de cartel na história do Chile: aproximadamente US$ 112 milhões.
A denúncia é o exemplo mais recente da aplicação agressiva da lei contra cartéis. No início de 2024, o tribunal de concorrência do Chile impôs a maior multa já aplicada no país, totalizando aproximadamente US$ 27,6 milhões.
O Caso Casino também acusa cinco réus individuais por seu papel na suposta fraude à licitação. Estes indivíduos podem ser encaminhados a um processo criminal conduzido pelo promotor público do Chile, correndo assim o risco de prisão. A lei chilena prevê a persecução criminal de cartéis desde 2016. A propósito, o chefe da autoridade de concorrência do Chile já declarou publicamente a intenção de usar tal poder persecutório, citando a experiência dos EUA ao observar que "a ameaça de processo criminal é realmente uma ferramenta de dissuasão muito importante" para usar contra cartéis.
Mexico
O COFECE do México flexibiliza seus poderes de fiscalização apesar da pressão política. Duas ações de aplicação recentes iniciadas pela Comissão Federal de Concorrência Econômica (COFECE) do México mostram a disposição da agência em ampliar seus poderes de aplicação além dos limites históricos.
Em outubro, pela primeira vez o COFECE exerceu sua autoridade para promover ações civis coletivas em um novo caso contra distribuidores de medicamentos. A ação busca mais de US$ 100 milhões dos réus - que incluem uma associação do setor - pelos supostos danos causados por um cartel de uma década que teria limitado o fornecimento e fixado os preços de medicamentos vendidos a farmácias. Além das partes, outras empresas e 21 indivíduos foram multados anteriormente em 2021 por seus papéis neste mesmo cartel.
Na ação coletiva, a própria COFECE atuará como representante da classe e arcará com todos os custos do processo judicial movido em nome dos cidadãos mexicanos, sendo que qualquer indenização concedida será paga a um programa de serviços de saúde do governo.
Em outra frente, uma investigação da COFECE concluiu em outubro que existem condições anticompetitivas no mercado de farinha de milho. Como medida corretiva, a investigação da COFECE sugeriu que um dos maiores produtores de tortilhas do México deveria alienar cinco de suas fábricas, bem como uma grande parte de sua força de trabalho de distribuição e vendas, de modo a remover práticas que proíbem as fábricas a jusante de mudar de fornecedor. O uso de um estudo de mercado pela COFECE como uma alternativa a uma investigação de abuso de posição dominante é uma novidade importante no cenário concorrencial, revelando que a COFECE entende poder prescindir de um processo administrativo para provar a violação da lei de concorrência do México.
Os novos usos que o COFECE faz de sua autoridade de aplicação ocorrem em um momento em que o futuro do órgão é incerto. No final de novembro, ambas as câmaras do legislativo mexicano aprovaram um projeto de reforma constitucional que tiraria a independência da agência - que ela possui desde que foi criada por reformas constitucionais em 2013 - e tornaria a COFECE parte do poder executivo. De acordo com o decreto, a COFECE seria substituída por uma nova autoridade de concorrência que também receberia os poderes atualmente detidos pelo Instituto Federal de Telecomunicações (IFT), combinando os dois órgãos.
O COFECE respondeu ao projeto de lei dizendo que trabalhará dentro de qualquer estrutura institucional para garantir uma política de concorrência robusta no México, operando "com independência técnica e operacional" e, até que qualquer reforma entre em vigor, prometendo "fazer uso máximo de seus poderes". O projeto de lei agora vai para as legislaturas estaduais.
Peru
Peru comemora cinco anos de cooperação entre a OCDE e o INDECOPI. O Instituto Nacional para a Defesa da Concorrência e Proteção da Propriedade Intelectual (INDECOPI), órgão fiscalizador da concorrência do Peru, comemorou recentemente o aniversário de cinco anos de sua colaboração com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ao sediar conferência do Centro Regional para a Concorrência na América Latina e no Caribe (Centro). Desde sua criação, o Centro reuniu mais de 1.800 autoridades de concorrência, reguladores e juízes de 25 países da região para discutir preocupações comuns e as melhores práticas e políticas públicas para aprimorar a aplicação da lei concorrencial em áreas como mercados digitais e cartéis, bem como a revisão judicial de decisões das autoridades.
Ao promover a cooperação internacional, o Centro aprimora a capacidade das autoridades nacionais de fiscalizar de forma mais eficaz as condutas transfronteiriças que afetam as Américas.
Estados Unidos
Novas regras de HSR para 2025. Em outubro, a Comissão Federal de Comércio (FTC), com o apoio do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ), aprovou por unanimidade as alterações propostas para o formulário de notificação de fusões dos Estados Unidos baseado na Lei Hart-Scott-Rodino (Lei HSR). As alterações representam uma revisão significativa do sistema regulatório atual e acrescentam um ônus substancial às partes envolvidas em fusões passíveis de notificação. Com elas, o processo de notificação dos EUA se aproxima daquele empregado pelas autoridades antitruste na Europa, passando a exigir descrições do motivo da transação, detalhes dos negócios das partes e quaisquer sobreposições ou outras relações concorrenciais entre as partes. Além disso, será exigida uma gama mais ampla de documentos.
Em síntese, as alterações marcam uma grande mudança em uma política que permaneceu inalterada por mais de 40 anos. Todos os registros de HSR enviados em ou após 10 de fevereiro de 2025 precisarão estar em conformidade com os novos requisitos.
Impactos da eleição nos EUA na aplicação da lei antitruste. Os resultados das eleições nos Estados Unidos podem levar a mudanças nas posições agressivas de aplicação da lei antitruste adotadas pelo DOJ e pela FTC durante o governo Biden. Embora os novos chefes das agências não tenham sido nomeados e as prioridades da nova administração Trump não sejam ainda conhecidas, espera-se que as políticas de controle de fusões e persecução de cartéis sejam alteradas, assim como as relações das agências norte-americanas com as demais autoridades antitruste nas Américas.
DOJ atualiza política de conformidade antitruste criminal. Recentemente, a Divisão Antitruste do DOJ atualizou sua orientação sobre a avaliação de programas de conformidade corporativa para a prevenção de violações criminais antitruste (Antitrust ECCP), que os promotores federais usam para avaliar os esforços de conformidade das empresas com a lei concorrencial. O Antitrust ECCP atualizado acrescenta detalhes significativos sobre as expectativas de conformidade da Divisão Antitruste em várias áreas importantes, incluindo:
- Inteligência artificial (IA) e ferramentas de gerenciamento de receita orientadas por algoritmos,
- O uso de mensagens efêmeras e dispositivos pessoais para fins comerciais,
- Esforços para promover uma cultura de conformidade que flua não apenas do topo, mas dos gerentes em todos os níveis, e
- Proteções e preservação dos incentivos para que denúncias sejam feitas.
Além disso, é possível que o Antitrust ECCP passe a ser aplicado além do contexto criminal.
O Antitrust ECCP fornece às empresas um modelo útil para a criação de seus programas de conformidade antitruste e, de acordo com o DOJ, deve "permitir que as empresas criem um programa de conformidade coerente e holístico, levando em conta as linhas de negócios e o perfil de risco da empresa".
A orientação reconhece que nem todas as empresas terão os mesmos recursos disponíveis para a conformidade antitruste e deixa claro que os promotores do DOJ devem considerar os esforços das empresas multinacionais para atender aos padrões em várias jurisdições e áreas do direito.
Para as empresas que se encontrem na mira do DOJ, o investimento antecipado em um programa de conformidade eficaz pode funcionar como uma valiosa apólice de seguro corporativo no caso de uma violação criminal antitruste. Isso porque tal investimento pode levar o DOJ a adotar posições que reduzam a exposição das empresas e/ou diminuam significativamente suas multas.
Além disso, o Antitrust ECCP deve permitir que as empresas detectem possíveis violações antes dos aplicadores da lei, o que tende a facilitar a mitigação dos riscos possivelmente resultantes de uma investigação antitruste.